Pela primeira vez uma favela no Rio de Janeiro ganhou uma biblioteca especializada para atender o público mirim. Com um acervo de três mil obras infantis, a biblioteca popular Lima Barreto localizada em Nova Holanda, uma das 16 comunidades do Complexo da Maré, tem agora um espaço dedicado às crianças e vai promover atividades com autores, "contação" de histórias e jogos lúdicos, além de oferecer uma sala multimídia. Ela foi inaugurada nesta quinta-feira (14).
O espaço da biblioteca Lima Barreto já existia para adultos desde 2005, mas foi ampliado e reequipado, e conta hoje com 12 mil obras. Agora a novidade é o acervo infanto-juvenil, um laboratório fotográfico, além de salas de leitura e midiateca.
A coordenadora-geral e uma das fundadoras da Redes de Desenvolvimento da Maré (a organização não-governamental responsável pela biblioteca), Eliana Silva, disse ao UOL Educação que, antes, o espaço da biblioteca era apenas para adultos e jovens de cursos de pré-vestibulares, mas “as crianças começaram a ocupar o espaço e a gente viu a necessidade de construir numa biblioteca mesmo”.
As obras do prédio de dois andares localizado na Rua Sargento Silva Nunes, no coração na Nova Holanda, começaram em outubro de 2010. Foram gastos cerca de R$ 200 mil para equipar as salas e os espaços da biblioteca.
“Falta espaço de bibliotecas públicas de uma maneira geral no Rio de Janeiro. [Elas] Ainda são muito escassas, e nas favelas, é mais escasso ainda”, admitiu Eliana. “O conceito que a gente trabalha é o direito à leitura e acesso aos livros. É um desafio garantir o direito à leitura para todas as crianças, por isso tem que haver políticas públicas”, disse.
‘A literatura permite conhecer um mundo novo’
A agente de saúde Amanda da Silva Adriano, de 33 anos, nascida e criada na Maré, disse que desde pequena sempre gostou de ler. Aos 13 anos, ela conta que ia à biblioteca mais perto no centro da cidade para ler. E hoje, mãe de dois filhos, uma adolescente de 14 anos e um menino de sete, Amanda afirma que conseguiu passar para os filhos o amor que tem pela literatura.“Eu adoro ler. Esse amor eu consegui passar para a minha filha e para meu filho, eles também adoram. A biblioteca é um lugar com calma e paz. Através da leitura, eu aprendi tanta coisa na minha vida e também a direcionar meus filhos. Meu pai não teve alfabetização e a minha mãe chegou só até a segunda série”, contou Amanda ao UOL que se diz fã das obras de Clarice Lispector.
Amanda disse que não apena gosta de ler como também incentiva que seus filhos cultivem este hábito. “A minha visão de mundo mudou e hoje tenho prazer de sentar para ler. Reparei que a leitura ajuda na memória e no aprendizado. A literatura permite conhecer um mundo novo."
Já a moradora Leni Gomes Barcelos, conhecida como dona Leninha, de 49 anos, pouco teve acesso à leitura e, com a neta Ludmila de quatro meses no colo, olhava com curiosidade para a nova biblioteca.
“As crianças precisam de uma biblioteca para não ficar no meio da rua. Se toda comunidade tivesse uma biblioteca para distrair e conhecer. Aqui perto nunca teve uma biblioteca. Para ler um livro de histórias, só comprando”, disse Leninha.
Mãe de dois filhos e avó de três netos ainda pequenos, ela diz que vai incentivar os netos a aprenderem a ler e a escrever.
“Na minha época eu estudei até os 14 anos, até a quinta série e depois tive que parar para trabalhar. Não dava tempo para ler e o livro era caro”, lembrou Leninha que hoje reconhece a importância de estudar. “Sem estudo, ninguém chega a lugar nenhum. Eu dou a maior força para a minha filha que tem 21 anos e está terminando os estudos”.
Falta de bibliotecas
Dentro do complexo, existem 12 escolas municipais com Ensino Fundamental e outras duas estaduais que contemplam o Ensino Médio. Em toda a Maré, existe apenas uma biblioteca municipal na lona cultural Herbert Vianna e outras sete bibliotecas comunitárias de pequeno porte que, geralmente, são iniciativas individuais dos próprios moradores.Edson explica que a ausência de bibliotecas públicas era uma crítica dos próprios moradores. Só nesta localidade da Nova Holanda, vivem quase 20 mil pessoas, e a Lima Barreto é a única biblioteca. “A gente começou com uma sala pequenininha. A comunidade respondeu tão bem e a demanda aumentou tanto que a gente teve que construir um prédio”.
Depois de 17 anos em sala de aula, Diniz reconhece que ainda é um desafio atrair os estudantes para a biblioteca. “O brasileiro infelizmente não tem hábito de ler. Aqui é mais difícil ainda porque os livros são caros e o acesso aos livros é ainda limitado. Mas quando a gente abre um espaço, a resposta é sempre muito boa. É só ter oportunidade que as pessoas aproveitam”.
O Complexo da Maré reúne 16 favelas onde vive uma população de cerca de 130 mil habitantes. Estima-se que cerca de 70% dos moradores da Maré tenham até 24 anos.
A biblioteca Lima Barreto tornou-se a primeira Biblioteca Pública Comunitária do Estado do Rio de Janeiro e foi incorporada à rede oficial de bibliotecas públicas estaduais. Ela já tem cadastrados seis mil sócios.
Fonte: UOL
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